Servir-se do pai, prescindir do pai
- Marcelo Braz de Almeida
- 29 de jun. de 2020
- 13 min de leitura
Há 14 anos, tive a oportunidade de apresentar aos meus professores, entre estes, Marcelo Veras e Analícia Calmon, uma monografia titulada sobre a psicose na minha especialização em Teoria da Clínica Psicanalítica na UFBA. Naquele momento –entre outras coisas– tentava entender o dispositivo a partir do qual através de um uso específico da crença no Sujeito-Suposto- Saber –e isto articulado à função do Nome-do-Pai– o sintoma transferencial era passível, suscetível de ser decifrado em análise pelos neuróticos, mas por que não ocorria o mesmo destino com os psicóticos. Esse foi um pouco do meu trabalho naquela oportunidade. Agora me interessa pôr o acento no estudo das condições a partir das quais é possível separar-se dessa conexão com o Sujeito-Suposto-Saber e estabelecer então, a partir dessa separação, uma nova relação com o sintoma. E uma relação com o sintoma diferente da que se tem na análise, que é o sintoma desde uma perspectiva, ou desde uma finalidade, significante. Por esta razão, propus acentuar o carácter de fora sentido, o sintoma que fica reduzido pelo trabalho de análise a sua condição de letra e, portanto, por fora do alcance da interpretação. Vou tomar como referência uma citação do Seminário 23, que seguramente conhecem, é uma citação conhecida que se encontra no Capítulo IX, intitulado “Do inconsciente ao real”, está na página 132 e diz assim: “a hipótese do inconsciente, como destaca Freud, só pode sustentar-se se supomos o Nome-do-Pai. Supor o Nome-do-Pai, certamente, é Deus. Por isso mesmo, se a psicanálise prospera, prova –ademais– que se pode abrir mão do Nome-do-Pai. Pode-se prescindir do pai sob a condição de servir-se dele.” Obviamente que não vou me estender neste ponto, senão, que a ideia é utilizá-lo. E a questão que me interessa é poder extrair desta citação do percurso que faremos algumas consequências e, particularmente, poder estabelecer qual é o correlato libidinal que se coloca em jogo no final da análise. Ou seja, o momento no qual é possível separar-se da experiência analítica. São dois pontos.
O primeiro: “servir-se do Pai”. Se vamos pensar no sintoma para além do Pai edipiano, então precisaremos desenvolver esta primeira afirmação.

Podemos afirmar que há um primeiro estatuto do sintoma como fora do sentido e é aquele que o toma como uma formação estranha, angustiante, e é aquilo que condiciona a primeira demanda de todo sujeito a uma análise, é o resultado, como mostra Freud, de uma formação de compromisso entre uma exigência pulsional, uma exigência pulsional que se mostra inconciliável com o Ego. Isto por um dos lados da formação de compromisso. Temos que acentuar esta condição de satisfação inconciliável. É isso que se apresenta na clínica como aquilo que faz fracassar toda tentativa de homeostase do sujeito. E Freud estabeleceu os paradoxos que são colocados em jogo ao considerar que essa satisfação pulsional inconciliável está determinada por um impulso que deve ser diferenciado de qualquer instinto. A isto se refere Lacan no Seminário 11 (“Os 4 conceitos fundamentais da psicanálise”) no Capítulo chamado de “A desmontagem da pulsão”. Ele afirma o seguinte: “a montagem da pulsão é uma montagem que, de saída, se apresenta como não tendo nem pé nem cabeça – no sentido que se fala de montagem numa colagem surrealista”. Trata-se, portanto, de diferenciar esta suposta “montagem da pulsão” de qualquer concepção finalista que a relacione com teorias biológicas. Efetivamente, a pulsão pode satisfazer-se sem alcançar seu suposto fim de satisfação de um instinto naturalmente constituído, de satisfação meramente fisiológica, porque não há uma relação necessária entre a pulsão sexual e um objeto da ordem da natureza como pensa o senso comum e a Ciência médica em voga. Que o primado da sexualidade genital possa até ser alcançado no fim de uma trajetória pulsional, estamos de acordo, mas que este primado não é propriamente o que constitui a sexualidade humana. Mesmo a relação sexual dita “normal” entre os corpos de gêneros opostos, naturalizada pelo discurso médico sobre o corpo e pelo discurso religioso, Freud vai demonstrar que é contingente, que, portanto, pode se dar, ou não. Talvez tenha sido a possibilidade de testemunhar o horror do gozo Outro que tenha escandalizado a plateia que assistiu o curta-metragem “Sandrine”, de Elen Linth e Leandro Rodrigues, ao ver encenada uma relação sexual onde a protagonista (uma transexual), às vésperas de fazer uma cirurgia para a retirada do seu pênis, penetra vigorosamente o ânus do seu namorado. O que queremos deixar claro com este exemplo é que o corpo que interessa à Psicanálise é um corpo erógeno, um corpo que não pode ser esquadrinhado e medido, um corpo destinado à contingência e à acefalia da pulsão, que escapa às pedagogias do corpo características da sociedade dominada por aquilo que Michel Foucault chamou de “Biopolítica”. Assim podemos afirmar que o primeiro paradoxo da satisfação pulsional consiste em que ela se satisfaz em um circuito que em definitiva é auto-erótico, mas através de algo que cada vez responde no Outro. Ou seja, a pulsão é sempre parcial, porque sua meta não é outra que seu retorno em forma de circuito, não necessitando de um objeto natural para que se satisfaça, já que o objeto final dela é um objeto perdido logo de saída que encontra em objetos erógenos parciais e não primordiais um pedaço do corpo deste objeto inalcançável que o sujeito localiza no Outro. Lacan introduz o termo fazer-se no Seminário 11 para indicar esta condição sempre ativa da pulsão, a partir da qual se serve de um objeto como parceiro em sua busca pela satisfação. Nesta perspectiva, o sintoma vem inscrever-se no lugar da ausência de um parceiro natural, portanto, qualquer relação que se estabeleça será sempre uma relação sintomática, como assinala Lacan no contexto que estamos vendo no Seminário 11: “na análise temos um sistema onde tudo se acomoda e alcança seu próprio tipo de satisfação. Nós, analistas, nos metemos no assunto na medida em que cremos que há outras vias, mais curtas, por exemplo. Em todo caso, nos referimos à pulsão justamente porque o estado de satisfação tem que ser retificado no nível da pulsão.” Com este pragmatismo, creio que Lacan consolida as bases do que na continuação de seu ensino tomará uma forma cada vez mais radicalizada. Se na própria análise tudo se acomoda e alcança seu próprio tipo de satisfação é porque o analista vem a introduzir-se como um parceiro sintomático suplementário ali onde a relação do sujeito com seu sintoma –que viria a ser o parceiro primeiro do sujeito– se tornou insuportável. No Seminário 10, Lacan já estabelece as bases do que mais tarde vai desenvolver sobre o sintoma como parceiro do Falasser. Vai propor neste seminário que é o objeto (a) aquilo que o sujeito tem no Outro; algo de seu próprio gozo localizado no Outro enquanto tal. O núcleo de gozo –vai propor Lacan– é o objeto (a) enquanto que o parceiro como pessoa constitui apenas o envoltório. Esta perspectiva é encontrada desenvolvida no Seminário 20, “Mais, Ainda”. No Seminário 22, “R.S.I.”, na aula de 21 de janeiro de 1975, Lacan se refere ao parceiro como um parceiro-sintoma e aborda esta questão em termos de crença: “crê-se nela”, afirma Lacan, “na medida em que ela pode dizer algo, enunciar o que se distingue como verdade, ou como mentira”. O sujeito crê, e isso é o que se chama de amor. Quer dizer que amor e crença se articulam num ponto desde onde se vem a considerar que a eleição amorosa é decifrável, se crê que a eleição amorosa tem um sentido, se crê que alguém escolhe o parceiro pela via do sentido... se crê... Seguindo esta lógica, e na medida em que o amor de transferência é uma condição fundamental para a posta em jogo do sintoma analítico, podemos indicar a ação do analista como a de fazer crer no sintoma. O neurótico espera ser liberado do seu sintoma, espera que seu sintoma seja decifrado, que o enigma que encarna o gozo do sintoma encontre sua resposta no Outro. É neste sentido que entendo Miller em seu curso “Peças Soltas” ao dizer que a histérica é o contrário da artista. Ele assinala que, diferentemente desta, a histérica não conta com um “saber fazer”, não sabe dar conta de seu sintoma em termos de que não sabe extrair do sintoma a satisfação que lhe convém. Em lugar disso, faz do seu próprio corpo, no sentido biológico, um lugar, um habitat para um corpo erógeno mortificante. Mas vejam bem, o que é que outorga consistência à crença do sujeito num suposto saber inconsciente? Ou dito em outros termos: como se sustenta a suposição de que é possível passar das elaborações do sentido ao Real do sintoma? Esta crença implicaria que existe uma continuidade entre o Sujeito-Suposto-Saber –que é uma formação significante– e um termo que é o gozo, que pertence a um registro diferente. Nós partimos do fato de que para que a análise funcione é preciso supor um saber ao gozo. Um saber constituído por significantes. Supõe-se que o gozo tem um saber que pode ser decifrado. Supõe-se, se crê... Na aula de 17 de janeiro de 2001 do curso “O lugar e o laço”, o filósofo e psicanalista Jacques Allain Miller aborda esta problemática mostrando que a suposição é o equivalente à tese de que há um saber no Real. Miller diz que a partir do momento mesmo em que falamos, nós acreditamos que a linguagem comunica algo sobre o Real, então acreditamos em Deus. Quer dizer que crer em Deus, crer no Pai, é crer que há um acordo entre o Simbólico e o Real, que o significante tem uma referência; o Falo, e que esta referência tem uma garantia, que é o Pai. Na análise, é pelo Nome-do-Pai que se torna possível produzir sentido a partir do gozo enigmático do sintoma, porque ele faz crer que o enigma do gozo tem uma resposta. Ao resvalo do Simbólico no Real, que constitui o sintoma, lhe responde com o sentido, quer dizer, a conjunção do Simbólico com o Imaginário. A crença em jogo concerne então a um nó entre inconsciente e gozo que implique o sujeito. Uma entrada em análise não se produz de um modo automático, se fosse assim, toda a demanda daria lugar a uma análise e a experiência nos ensina que não é assim. É necessário para isso um consentimento, que não é uma afirmação egoica, senão, uma condição que fica determinada a partir do encontro inédito entre uma significação por advir do Outro –a isso chamamos de Sujeito-Suposto-Saber– e um gozo desconhecido que divide o sujeito. É efetivamente este gozo implicado o que outorga consistência à pura significação de saber, ao “isso quer dizer algo”. No entanto, não é no fantasma onde encontramos encilhada, selada, uma relação entre a significação e o gozo regida pelo Nome-do-Pai? Podemos encontrar uma clara articulação entre a significação, o gozo e o Nome-do-Pai na análise do fantasma em “Bate-se em uma criança”, artigo de Freud que Lacan analisa, entre outros lugares, no Seminário 17 (“O Avesso da Psicanálise”): “o Tu me bates –diz Lacan aí- é a fórmula que constitui o vínculo do sujeito com o gozo. Ele recebe sua própria mensagem de forma invertida”. Quer dizer que ele recebe seu próprio gozo –fazer-se bater– sob a forma de gozo do Outro. O Pai vem aqui não apenas como aquele que supostamente goza disso, senão, também assegurando uma distribuição e uma ordem regulada do gozo, funcionando como um normatizador pulsional. Por conseguinte, o gozo fica localizado no Outro, no próprio corpo do sujeito e numa significação que se prende a ele: “meu pai me bate, porque meu pai me ama”. Tudo isto num mesmo movimento. Aqui o Nome–do–Pai constitui o artifício que opera uma redução do gozo, sela uma relação entre o significante e o significado. Então a crença em jogo na entrada em análise é correlativa à implicação fantasmática na transferência, ao que Lacan chama no Seminario 11 de “a posta em ato da realidade sexual do inconsciente”. Sob estas condições próprias da estrutura neurótica que estamos vendo, é possível supor que há um saber que toca algo do Real, quer dizer, do Real articulado ao sintoma e ao sentido. Já veem que esta ideia de um Real ao qual se pode ter acesso pela via da articulação significante é situada como uma crença. Segundo ponto: “prescindir do Pai”. Ao longo do Seminário “O Sinthoma”, Lacan avança em direção a outra concepção de Real. Já não se trata de um Real articulado ao saber, senão, de um Real completamente excluído do sentido, um Real sem Lei, o que implica radicalizar as consequências de considerar o Nome-do-Pai como um artifício que não dá acesso a um saber no Real.

Este Real sem Lei reduz o Nome-do-Pai a um semblante, a um operador de suplência. Isto nos permite entender por que o segundo ensino de Lacan, e particularmente o Seminário 23, toma a psicose como modelo do sintoma. Aqui o Real do sintoma fica exposto e dividido sob a modalidade da intrusão. Manifesta-se abertamente, o que nas outras estruturas se encontra encoberto e velado.
No entanto, como assinala Jacques Allain Miller no curso “Peças Soltas”, se também desconstruirmos as estruturas da neurose e da perversão, encontraremos finalmente aquilo que é abordado quando se trata da esquizofrenia, ou o que Lacan mostra a partir do caso de James Joyce, o murmúrio da língua.
Tomamos então a psicose como modelo enquanto estrutura clínica na qual podemos dizer que se prescinde do Pai de um modo absoluto. Finalmente chamamos de “Forclusão do Nome-do-Pai” o mecanismo que determina essa dispensa radical, e nos introduzimos desta maneira na proposta que, segundo Miller, nos apresenta o Seminário do “Sinthoma”, que é pensar a psicanálise mesma a partir da psicose.
Na primeira aula do Seminário do “Sinthoma”, que é de 18 de novembro de 1975, Lacan assinala que a escritura de Joyce se parece com a presunção maníaca, e joga com o equívoco entre l’élangues; “presunção”, e les langues; “as línguas”, afirmando que a mania é aquilo que a última obra de Joyce evoca.
Sem dúvida, a mania constitui um paradigma da ausência da função do Nome-do-Pai com a desregulação de gozo que isto implica. Assiste-se no episódio maníaco a uma liberação das determinações da semântica, a uma sucessão dos S1 que ficaram emancipados, liberados da articulação gramatical. O sujeito fica absolutamente exposto e totalmente arrasado pelo gozo puro de alíngua.
Também podemos dizer, em função do que propomos anteriormente, que na mania não se conta com a função do fantasma, que vem fixar e deter a fuga do sentido, assegurando uma ordem e uma regulação ao gozo. Torna-se então muito interessante estudar as modalidades pelas quais em cada caso o sujeito dá seu jeito para atar o sentido e o gozo do corpo prescindindo do Nome-do-Pai.
Lembramos então do caso de um paciente adolescente que tivemos a oportunidade de entrevistar há alguns anos atrás. O desencadeamento da psicose deste jovem tinha sido produzido aos 17 anos quando foi convocado para depor frente a um juiz como testemunha. Começou a padecer de uma insônia que durante meses não lhe permitia descansar, logo surgiu uma série de ideias delirantes, algumas delas persecutórias, outras de conteúdo religioso que culminaram num episódio de excitação maníaca que o levou ao primeiro internamento, o que culminou na decisão da família de abandoná-lo à própria sorte.
Depois de muitos anos percorrendo várias internações em diferentes instituições psiquiátricas, tratamentos psicoterapêuticos, farmacológicos, etc, encontrou uma estabilização prescindindo de tudo isto a partir da posta em prática de um dispositivo que, como um ritual irremediável, ele leva a cabo cada noite. O sujeito conserva algumas convicções religiosas inquestionáveis e a ideia de que tem uma conexão inviolável com Deus, de maneira que antes de ir dormir sempre lê a Bíblia. Explica que se trata de uma leitura ordenada, já que cada versículo conta com um número limitado de palavras, mas que cada uma delas, nos explica, abre uma quantidade enorme de sentidos possíveis. Quando se encontra fazendo esta experiência de abertura a um tipo de polissemia infinita, algo se produz que vem a detê-la. Trata-se de um gozo esplendoroso localizado no peito. Isto lhe produz uma satisfação específica, logo depois tudo se aquieta e assim dorme placidamente. A diferença de Schreber, que necessita de muitos anos de elaboração delirante para alcançar um ponto de capiton e um acordo com o gozo, este sujeito consegue com um sistema um pouco mais reduzido.
Mas o que nos ensinam estes casos por dois caminhos diferentes é que a culminação de uma elaboração significante, o que permite separar-se de uma elaboração significante é fundamentalmente um assunto de satisfação pulsional. Para avançar nesta questão tomamos como referência um texto escrito por Lacan e que trabalha Miller. É um texto escrito depois de terminar de ditar o Seminário do “Sinthoma”, que leva por título “Prefácio à edição inglesa do Seminário 11” e que foi redatado em 17 de maio de 1976. Lacan afirma aí: “o espelhismo da verdade daquilo que só é de se esperar a mentira, isso que com termo cortês se chama resistência, não tem outro termo que a satisfação que marca o fim da análise”.
Sabemos da afinidade que Lacan encontra entre a busca da Verdade e o delírio, o que aparece em “O inconsciente delirante”. Mas assim como “não há relação sexual”, tampouco há a Verdade, como não há um Outro do Outro para que seja seu fiador. A verdade como absoluta –nos recorda Lacan- é um espelhismo. Não é então o Outro da verdade o que responde no final da análise, senão, que a resposta é dada sob outro termo, a resposta da satisfação, pois o que responde é a acefalia da pulsão.
Isto é algo completamente novo em Lacan? Se voltarmos ao Seminário 11, encontraremos este tema a partir da apresentação das operações de alienação e separação.
Para recordar –muito brevemente- na alienação se introduz a dimensão da falta, tanto a falta do sujeito como a falta do Outro. Na separação, o sujeito repara sua fragmentação ao se responder à questão “o que sou para o Outro”, mas não é o sujeito nem tampouco o Outro enquanto tal aquele que responde a esta pergunta. Lacan afirma que o que responde à pergunta é a libido como órgão, como corpo pulsional. Quer dizer, não é alguém que fala nem tampouco algo que possa se inscrever em termos significantes, senão, como já mencionamos no começo, que se trata de um “fazer-se”. Mas aqui esta operação de separação é, na realidade, a operação que permite estabelecer um laço com o Outro, é o que vem articular a falta do sujeito com a falta do Outro. É o que estabelece as condições para que o sujeito possa sustentar-se a partir da falta no Outro. Esta operação de separação do Seminário 11 permite orientarmo-nos a respeito da entrada em análise, ali onde o sujeito busca responder à opacidade do gozo de seu sintoma fazendo-se parte do Outro. É a pulsão a que responde, mas o sujeito não sabe e crê que vai responder o Outro.
Mas de que separação falamos na conclusão da análise? Em princípio, se trataria de uma separação diferente na qual a satisfação pulsional se desprende de sua aderência ao sentido. Dito em outros termos; o sintoma cessa de ser um fenômeno de crença e, portanto, de estar dirigido ao Outro. Se o querer dizer algo sobre o sintoma, no início, é um fenômeno de crença, o sem sentido do sintoma no final é o resultado de uma redução onde a lógica da cura tem consequências, transforma o sintoma deixando exposta a satisfação que esteve sempre presente. Demonstra-se sua condição de aparelho, de instrumento do qual se extrai satisfação. A redução do sintoma a um ponto de Real que não gera sentido. Prescindir do Pai, desta perspectiva, implica então desatar o sentido e o gozo do sintoma tendo se valido um dia do Nome-do-Pai, do recurso ao sentido.
Neste ponto é que toma sua pertinência outro saber que é o “saber fazer aí”. Este “saber fazer” é completamente diferente do saber suposto ao início. Não se trata de um saber articulado, mas de uma consequência lógica da falta de saber no Real. Não é um saber articulado, senão, a consequência lógica da falta de um saber articulado no Real. Não é uma experiência de Verdade nem de acesso a uma harmonia conseguida. O próprio termo “saber fazer” implica que resta um núcleo opaco que se encontra aberto à contingência e, portanto, ao imprevisível. Se não há uma verdade definitiva, porque o Outro do Outro não existe, se não há uma satisfação que não seja sintomática, porque não há um parceiro natural, então “saber fazer” com o sintoma implica necessariamente uma margem que está aberta à invenção. E esta invenção é valer-se do sintoma tal como ele é: um corpo acéfalo.
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