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CORREIO 24 HORAS ENTREVISTA - Marcelo Braz

Por Laura Fernandes


Marcelo Braz é psicanalista lacaniano (Foto: Divulgação)

Todos têm responsabilidade pela saúde do outro. A recomendação é ficar em casa por causa do coronavírus, mas se o indivíduo não quiser? Vai prendê-lo? E se ele morrer pela impossibilidade de se reinventar?”, alerta o psicanalista Marcelo Braz, 41, sobre o público acima de 60 anos. Segundo ele, a decisão final tem que ser do idoso, mas sair de casa também significa gerar riscos: “todo mundo tem responsabilidade pela saúde do outro”, afirma. Confira.

Quais cuidados deve-se  ter com os idosos? 

M.B. Tomá-los como sujeitos. Perguntar o que querem e ser capaz de suportar as respostas. Os idosos têm desejos, gozos, paixões que não podem ser ignoradas. “Ah, mas eu disse que meu pai não pode sair de casa, porque está idoso e pode morrer por causa do coronavírus”. Pode até ser, mas, se ele tiver um desejo, como fazer? Prendê-lo em casa? E se ele morrer pela impossibilidade de se reinventar? O corpo sofre os efeitos disso.

Vale argumentar? 

M.B. Pode-se dar argumentos, mas, se a pessoa disser que precisa tomar um ar, tem que respeitar. Claro que todo mundo tem responsabilidade pela saúde do outro. Se as pessoas decidirem não se cuidar, não lavar as mãos, não passar álcool em gel, ou não evitar contato com o outro, não vai funcionar. E isso independe de ser idoso, ou não.

Quais são as principais queixas que você escuta? 

M.B. O que escuto dos idosos nas sessões é que a sociedade os trata como objeto. Há uma recomendação de que fiquem em casa, porque são do grupo de risco e, a partir desse momento, se age como se o idoso não tivesse direito a escolha. Isso tem sido um peso muito grande para eles. Se você cerceia a liberdade de escolha, você pode gerar outros problemas. 

Por que a relação com o envelhecimento é difícil? 

M.B. O conceito de velhice varia com o tempo - hoje não é a mesma do século passado - e isso fica claro na forma com que reagem a isso. Muitos não se veem como idosos, mas como pessoas produtivas, capazes. Então não aceitam com facilidade esse lugar de “objeto”. Como dizer a essas pessoas que não trabalhem, não passeiem?

De onde vem a dificuldade de ficar em casa, mesmo sabendo se tratar de um vírus mortal? 

M.B. A covid-19 talvez esteja despertando um pouco a percepção de que nós somos finitos, de que morremos. Talvez para a população mais jovem seja uma experiência nova essa possibilidade de morrer, mas para o idoso é uma constante. (...) Pode haver idosos que já não têm tanto desejo, tanta vontade de viver e acabam dizendo: “Bom, vou morrer mesmo, seja pelo coronavírus, ou por outra coisa”. Existe, mas isso é mais exceção do que regra. O que incomoda mais na relação com as famílias - a partir da minha experiência clínica - é que essa não seja uma escolha deles. Já ouvi de um deles: não quero sair, porque não quero pegar a covid-19 e morrer, mas me irrita profundamente que outras pessoas achem que estão decidindo por mim.

Como lidar com a mudança de hábito? 

M.B. Não é fácil, porque todas as pessoas - não só os idosos - têm seus investimentos libidinais, seus interesses. A gente investe em determinados objetos – como um carteado com os amigos – e agora, nesse momento, precisa mudar esse hábito. Fazer com que a pessoa consiga reinvestir a sua libido, sua ocupação em outros objetos, não é fácil. E isso provoca efeitos sobre a saúde mental. O que se passa no isolamento, muitas vezes, é o processo de luto, de não poder fazer as atividades que sempre fez. É necessário conseguir se afastar disso e aceitar essa perda.

Quais reflexões podemos fazer a partir da mensagem do ator Flávio Migliaccio?

M.B. É um momento triste para todo mundo e a sensação é que foi um ato politico de “vamos respeitar os idosos e criar as crianças para construir um futuro melhor”. Muita gente ainda não se deu conta - ou porque está negando, ou porque está pensando tanto em sobreviver - sobre quais efeitos isso vai causar depois. Como vou me reinventar? Principalmente os idosos. Os suicídios aparecem principalmente em seguida aos grandes desastres, como uma pandemia, ou uma guerra. O melhor a se fazer é debater. Fingir que isso não aconteceu não vai ajudar. A gente tem que debater essa urgência subjetiva atual.

 *Marcelo Braz é psicanalista lacaniano e possui 15 anos de atuação na área

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